André Green

Nasceu em 12 de março de 1927 no Cairo, onde viveu durante sua infância e adolescência, na comunidade européia local. Revela ter escapado de um espírito provinciano, por conviver numa mistura de etnias no Egito. Seus pais eram de origem judaica sefaradita, portuguesa por parte de pai e espanhola por parte de mãe. Sentia-se atraído pela França e pela língua francesa desde muito cedo. A convivência com o meio francófono e seus estudos no liceu francês no Cairo lhe revelaram uma França mítica, idealizada. Essa fascinação também foi determinada pelo romance familiar. Sua primeira infância foi marcada pela experiência de doença de sua irmã, 15 anos mais velha que, por uma tuberculose óssea, foi obrigada a se tratar na França. Relata que sempre escutava sua mãe dizer que estava grávida e que o carregava durante uma das viagens à França para acompanhar a filha, o que deve ter sido um determinante afetivo muito poderoso em sua escolha. Esse período foi igualmente responsável pela dificuldade financeira que atingiu seu pai, já que se ausentou dos negócios para acompanhar sua mãe no tratamento da filha.

Esse revés de fortuna marcou a imagem que guardou do pai. De um patriarca e homem poderoso, temido e respeitado, seu pai transformou-se num homem frágil, mas também tolerante e indulgente com ele. Silencioso, havia uma proximidade afetiva, embora distante. Green revela que nunca se esqueceu da frase usada por seu pai, quando lhe perguntava alguma coisa sobre algo que tinha lido: “Você compreenderá mais tarde”. Ressente-se por não ter podido se beneficiar de trocas intelectuais com seu pai – estava com 14 anos quando seu pai morreu aos 59 anos – tendo que se contentar com o “mais tarde”. O destino lhe trouxe uma experiência estranha, fazendo-lhe reviver esse sentimento com a morte de seu analista, Maurice Bouvet, num momento de final de análise, quando as trocas poderiam ocorrer. Também sua mãe influiu muito no que pode se tornar mais tarde. Deve sua vocação psiquiátrica a ela, que perdeu uma irmã mais nova em um acidente quando ele tinha dois anos. Com o luto dessa irmã, ela atravessou um período depressivo marcante. Um dos textos de grande importância na obra de Green, A mãe morta, teve uma de suas raízes na marca dessa lembrança.

Apesar de seu interesse “pelo que se passava na cabeça” ou pelas doenças da mente, e de sua clara opção pela psicanálise desde o início de sua escolha profissional, a prática psicanalítica ocorreu lentamente, especialmente pelo seu compromisso ético com a profissão, o que lhe rendeu uma imagem de analista intransigente. Não aceitou a chefia de serviço em tempo completo na psiquiatria, porque não via como poderia ser inteiramente psicanalista. Sua entrada na Sociedade Psicanalítica de Paris provoca polêmicas entre seus colegas pelo grande rigor no plano ético e humano e pela extrema fidelidade a Freud. Mas consegue tornar-se membro titular e depois presidente da SPP, em 1987. Com os anos, Green consegue ter mais serenidade, mesmo sem ter perdido seu gosto pelo debate, até mesmo pela polêmica.

Sua obra é reconhecida pela importância, pelo volume de suas publicações em livros, artigos e conferências e, também, pela diversidade e originalidade dos temas tratados. É uma obra muito complexa em sua formulação, traçada na abordagem rigorosa da teoria freudiana. Green divide sua produção em dois grandes grupos: os trabalhos de psicanálise pura e aplicada. Refere-se à psicanálise aplicada ao texto literário, que considera como uma forma de prosseguir sua própria análise. Descreve que Shakespeare certamente desempenhou para ele papel de analista. O texto literário funciona como um objeto transicional, que permite ao analista aumentar o conhecimento de si mesmo. As grandes obras tocam o inconsciente de maneira profunda. Seu livro O Desligamento é um exemplo desse grupo.

Nos trabalhos teóricos e clínicos, aprofunda-se na metapsicologia freudiana e trabalha temas como o afeto, os casos-limite, a clínica do vazio, a teoria do negativo, o narcisismo negativo, a alucinação negativa, a psicose branca, o irrepresentável e a pulsão de morte, a mãe em todos os seus estados – mãe morta, mãe fálica, mãe negra, e a terceiridade, temas em que contribui profundamente com a psicanálise contemporânea. Sua obra tem influências de Winnicott, Klein, Bion e da psicanálise francesa. Descreve como essencial de suas últimas produções a referência ao trabalho do negativo, onde destaca o conceito de função objetalizante o desobjetalizante como fator unificador que permite a melhor avaliação do funcionamento psíquico e da possibilidade de análise dos pacientes. Para ele, a psicanálise é ligada ao conceito do negativo desde seu início, quando enfatiza os efeitos da falta na organização psíquica.

Resenha elaborada por Isa Maria Lopes Paniago, psicanalista em formação pelo Instituto Virgínia Leone Bicudo, da Sociedade de Psicanálise de Brasília.

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