Alfred Adler

(1870 – 1937)

Médico e psicólogo austríaco, Alfred Adler notabilizou-me muito mais por sua obra original nas áreas de psicoterapia e pedagogia do que na psicanálise propriamente dita. Porém, por ter convivido diretamente com Sigmund Freud e participado de forma ativa do grupo fundador das reuniões das quartas-feiras, também apresentou suas contribuições à psicanálise e sua história, embora bastante controversas para muitos autores.

Adler nasceu em um subúrbio de Viena em 7 de dezembro de 1870, filho de judeus imigrantes húngaros; seu pai era comerciante de cereais. A infância e vida familiar marcaram significativamente sua personalidade e o desenvolvimento ulterior de sua obra: o segundo de seis filhos, debilitado fisicamente, apresentava acentuado raquitismo infantil (o que o impediu de caminhar antes dos 4 anos) e dispnéias freqüentes; era protegido por seu pai e rejeitado pela mãe. Tinha marcantes ciúme e inveja do irmão mais velho, também de nome Sigmund, tal como Freud (com quem mais tarde competiria acirradamente).

Mais jovem que Freud 14 anos, freqüentou o mesmo liceu do pai da psicanálise e formou-se médico em 1895 na mesma Universidade de Viena; iniciou a carreira como oftalmologista, mas logo passou a exercer clínica geral em consultório privado, já enfocando, desde o princípio, o ambiente sócio-familiar-profissional de seus pacientes.

Nunca se sentiu um verdadeiro judeu e converteu-se ao protestantismo com suas duas filhas em 1904, frutos do casamento com Raissa Timofeyewna Epsteinm, filha de um comerciante judeu que viera da Rússia para estudar em Viena. Tiveram mais dois filhos, que se tornaram psiquiatras. Ela “pertencia aos círculos da intelligentsia e propalava opiniões de esquerda” (Roudinesco e Plon, 1998, p.7), bem distantes da vida burguesa vienense, era uma ativista social. O próprio Adler tornou-se membro adepto do socialismo reformista e um livre-pensador.

Sua primeira publicação foi Manual de higiene para a corporação de alfaiates (1898), onde abordou as conseqüências para a saúde das péssimas condições de vida e de trabalho desses profissionais naquela época.

Morreu em 28 de maio de 1937 após fulminante crise cardíaca, na cidade de Aberdeen, Escócia, durante viagem para uma série de conferências européias.

Adler e a psicanálise

A convite de Freud, juntamente com Stekel, Reitler e Kahane, em 1902, Adler fez parte da fundação das famosas reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras, primeiro círculo da história psicanalítica e precursor da Wiener Psychoanalytische Vereinigung, que serviu de modelo para todas as sociedades posteriormente reunidas a partir de março de 1910 na International Psychoanalytical Association (IPA). Em 1911, deixou a organização psicanalítica vienense (era o presidente da Sociedade das Quartas-Feiras desde 1910), juntamente com nove membros, por “divergências sobre concepções teóricas inconciliáveis” (Mijolla, 2005, p. 26). Nunca aceitou a importância do papel do recalque e da libido no funcionamento psíquico. Alternativamente, desenvolveu idéias como o hermafroditismo psíquico, a disposição à neurose em conseqüência de sentimentos de inferioridade existentes desde o primeiro contato da criança com a sexualidade e da luta entre o feminino e o masculino (o protesto masculino), em que os meninos são encorajados desde pequenos a serem ativos e assertivos, e as meninas na direção contrária.

Era criticado por Freud pelo conjunto das suas posições, como “a de se apegar a um ponto de vista biológico, de utilizar a diferença dos sexos em um sentido estritamente social e, enfim, de valorizar excessivamente a noção de inferioridade.” (Roudinesco, 1998, p.7)

Teorias psicológicas

Adler impressionara-se com a história de Theodor Roosevelt, que cresceu franzino e doente até a adolescência (tal como ele próprio), passando então por intensas transformações e chegando a ser o mais jovem presidente dos Estados Unidos, em 1901. Perguntava-se se tal potencialidade para mudança seria característica da personalidade de Roosevelt ou se seria comum à natureza humana.

Também foi influenciado pelas idéias holísticas de Jan Smuts, estadista-militar segregacionista e preconceituoso contra a raça negra e os hindus, botânico e filósofo sul-africano que cunhou o termo holismo para a compreensão do ser humano com seu livro Holism and evolution, de 1926.

Outro conceito que o inspirou foi o da teleologia, que identifica a motivação e metas como motor básico humano, sendo a finalidade o que guia a natureza e a humanidade (Houaiss). Em Hans Vaihinger, autor de The philosophy of “As If”, inspirou-se para criar seu conceito de ficção ou finalismo funcional: aquilo que uma pessoa acredita a respeito de si própria e que a ajuda a conduzir-se pela vida.

Na construção da sua teoria sobre o funcionamento e adoecimento psíquicos e em seu trabalho psicoterapêutico, Adler, não aceitando qualquer determinação pela libido, considerou inicialmente a “busca pela perfeição” como o fator motivacional humano. Essa busca se expressaria por diferentes mecanismos: a relação e a adaptação sociais; a preocupação do indivíduo em alcançar objetivos preestabelecidos (vontade); a luta pela superioridade (incluindo voracidade pelo poder e pela notoriedade); além da agressividade (em particular, frente à frustração), que seria o instinto primário ao qual todos os demais estariam subordinados. Ele não reconheceu a importância do recalque e do inconsciente. Acreditava que a orientação informativa mudaria o auto-entendimento e estimularia a vontade para a autotransformação e a adaptação social.

Postulava, segundo Cobra (2003), “a necessidade de ver o homem como um todo, uma unidade funcional, reagindo ao meio tanto quanto aos seus próprios dotes físicos, em lugar de vê-lo como um somatório de instintos, desejos e outras manifestações psicológicas.“ Adler recusou a teoria freudiana do trauma sexual e relegava a sexualidade a um papel simbólico na tentativa de superação do indivíduo.

A ruptura entre Freud e Adler foi violenta e a animosidade entre eles manteve-se até o fim de suas vidas.

A base principal das idéias de Alfred Adler encontra-se em sua publicação de 1907, A compensação psíquica do estado de inferioridade dos órgãos. O conceito de inferioridade e a menor resistência de determinado órgão já pertencia à histórica médica, mas Adler a transpôs para a psicologia e a gênese da neurose – poderia, inclusive, ser transmitida hereditariamente, tais como doenças auditivas em famílias de músicos, oftálmicas nas de pintores etc.

Em sua publicação de 1912, O temperamento nervoso, expôs a essência da sua doutrina. No ano seguinte criou, juntamente com ex-membros da Sociedade freudiana, a Psicologia Individual, posteriormente conhecida como Psicologia do Eu. Também transformou a Sociedade para a Pesquisa Psicanalítica Livre, por ele fundada, na Sociedade de Psicologia Individual. Com isso, provocou a primeira cisão importante do movimento psicanalítico (Mijolla, 2005, p.27). Em 1914, passou a editar, com Karl Furtmüller, sua própria publicação científica, a Revista de psicologia individual.

Após sua experiência na Primeira Guerra Mundial, na qual serviu como médico, intensificou seu interesse social, fundando instituições médico-psicológicas vinculadas a escolas estatais. Esse trabalho repercutiu internacionalmente a partir de 1926, em especial nos EUA, país onde proferiu muitas conferências e teve prolongadas permanências, para o qual emigrou definitivamente em 1935, quando pressentiu que o nazismo dominaria o continente europeu. Foi naquele país que suas teorias foram mais aceitas seguidas.

Segundo o site Psiquiatria Geral, Adler propagou uma teoria do desenvolvimento socialmente consciente. Em sua teoria da personalidade (que preferia chamar de estilo de vida), postulou existir um empenho por auto-estima e uma tentativa de superar um sentimento de inferioridade, isto é, o “complexo de inferioridade”, por meio da procura compensatória de poder, domínio, superioridade, que seriam alcançados por suas atividades e interesse social no bem comum. Achava que toda criança tem um sentimento de inferioridade por comparação realista com os adultos, maiores e mais hábeis, cuja superação seria sua principal meta na vida.

Segundo Boeree, Adler agrupou as personalidades humanas tendentes à doença psíquica em três tipos: da ação, tendendo à agressividade e dominação, podendo resultar, por exemplo, em sadismo, dependência química, ou suicídio; da submissão ou dependência, tendentes a desenvolver fobias, obsessões, compulsões, histeria etc.; e da evitação ou fuga, tendentes à psicose. Um quarto tipo de personalidade, o dos socialmente úteis, seria o sadio, apresentando interesse social e energia. Adler comparou esses quatro tipos aos propostos na Grécia Antiga: coléricos, fleumáticos, melancólicos e sangüíneos.

De acordo com Dias (2009), o conceito de self criativo seria “a realização suprema de Adler como teórico da personalidade“, ficando todos os demais conceitos subordinados a ele, dada a sua força. Dias afirma que cada ser humano construiria sua própria personalidade.

Para Adler, o instinto fundamental a ser desenvolvido seria o social (em parte como disposição inata e em parte aprendido), do qual derivariam os sentimentos de amor, amizade, ternura, altruísmo. Tal instinto teria de ser reforçado pelos pais e pela educação para não ser perdido, e seria o responsável pela empatia e o desejo de ajudar o outro; ele estaria na dependência dos sentimentos de inferioridade e suas compensações ou de auto-aceitação satisfatória.

A psicoterapia, teorias e técnicas

Os objetivos do tratamento psicoterapêutico, usualmente de curta duração e focado, consistiam, para Adler, em conduzir o paciente a perceber seu estilo de vida e a orientá-lo e reeducá-lo para melhorar sua situação real, sem qualquer exploração dos conflitos inconscientes. O paciente era explicitamente encorajado a ações concretas que pudessem facilitar-lhe a vida real, como trocar óculos por lentes de contato, caso os primeiros lhe causassem sentimento de inferioridade.

Para Adler, o terapeuta não deveria buscar a verdade nem se preocupar com interpretações subjetivas do que se passa na sessão. A relação a ser desenvolvida entre terapeuta e paciente deveria ser igualitária, face a face e empática. Pode-se dizer que seu trabalho clínico desenvolveu-se com uma orientação de natureza pedagógica, como afirma Zimerman (2001, p.21).

De acordo com o site americano para a psicologia adleriana, suas teorias e técnicas formaram a base para outras psicoterapias atuais, empregadas especialmente nos EUA: cognitivo-comportamental, terapia da realidade, terapia focada na solução, terapia emocional-racional, terapia existencial, psicologia holística, terapia familiar, psicologia humanista, neo-análise, reconstrução e comunicação paradoxal, entre outras.

Também pensadores modernos afirmam ter obtido na obra de Adler substrato para desenvolvimento de suas próprias contribuições, como Karen Horney, Erich Fromm, Viktor Frankl, Abraham Maslow, Albert Ellis, Aaron T. Beck, Rollo May, Harry Stack Sullivan, Carl Rogers.

Na área da pedagogia suas teorias e práticas tornaram-se bastante difundidas, tanto na psicologia quanto no aconselhamento escolar, considerando a orientação de crianças como preventiva contra um futuro adoecimento psíquico. Para tal Adler abriu, na Áustria e na Alemanha, a partir de 1919, centros de orientação infantil ou consultorias pedagógicas para pais, alunos e professores, que posteriormente serviram de modelo para outros países. Influiu também nas Ciências Sociais, nos movimentos de saúde mental comunitária, na vida familiar (em particular na educação dos pais) e na situação psicossocial da mulher.

Principais obras:

Dentre os mais de 300 livros e artigos, as publicações-chave de Alfred Adler são: The practice and theory of individual psychology (1927), Understanding human nature (1927) e What life should mean to you (1931).

De acordo com o site Psiquiatria Geral, o Alfred Adler Institute of Northwestern Washington publicou recentemente uma coletânea em 12 volumes intitulada The Collected Clinical Works of Alfred Adler, englobando sua obra escrita entre 1898 e 1937, incluindo uma nova tradução para o inglês de seu livro principal no volume 1. O último volume traz uma visão panorâmica de sua teoria já na maturidade e práticas contemporâneas de suas técnicas.

  • Volume 1 : The Neurotic Character — 1907
  • Volume 2 : Journal Articles 1898-1909
  • Volume 3 : Journal Articles 1910-1913
  • Volume 4 : Journal Articles 1914-1920
  • Volume 5 : Journal Articles 1921-1926
  • Volume 6 : Journal Articles 1927-1931
  • Volume 7 : Journal Articles 1931-1937
  • Volume 8 : Lectures to Physicians & Medical Students
  • Volume 9 : Case Histories
  • Volume 10 : Case Readings & Demonstrations
  • Volume 11 : Education for Prevention
  • Volume 12 : The General System of Individual Psychology

Bibliografia

  • BOEREE, C. George. Personality theories. Alfred Adler. 1870—1937. http://webspace.ship.edu/cgboer/adler.html, Internet, Pennsylvania, EUA;
  • OBRA, Rubem Queiroz. Alfred Adler, fundador da Psicologia Individual. COBRA PAGES: www.cobra.pages.nom.br, Internet, Brasília, 21.4.2003. (“Geocities.com/cobra_pages” é “Mirror Site” de COBRA.PAGES);
  • DIAS, Ana. Alfred Adler — Psicologia individual. http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/item.php?itemid=1626, Internet, São Paulo, 17.10.2009;
  • MIJOLLA, Alain de. Dicionário internacional de psicanálise: conceitos, noções, biografias, obras, eventos, instituições. Rio de Janeiro, Imago Ed., 2005. pp. 26-7;
  • FREUD, Sigmund. A história do movimento psicanalítico. In: Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro, Imago Ed. Ltda., 1974. pp. 57-8 e 60;
  • HOUAISS. Dicionário eletrônico da língua portuguesa 1.0.7. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva Ltda., setembro de 2004.
  • KAUFMANN, Pierre ed. Dicionário enciclopédico de psicanálise. O legado de Freud e Lacan. Primeiro grande dicionário lacaniano. Rio de Janeiro, Zahar Ed., 1996. pp. 746-7;
  • MAGNANIMO, Antonio. Alfred Adler. http://www.filosofico.net/aadler.htm#n3, Internet, Itália;
  • ORBEST, Ursula et alii. La psicología individual de Alfred Adler y la psicosíntesis de Oliver Brachfeld. Rev. neuropsiquiatr; 67(1/2):31-44, mar-jun/2004;
  • http://sisbib.unmsm.edu.pe/BVRevistas/Neuro_psiquiatria/v67_n1-2/Pdf/a03.pdf, Internet, 2004;
  • ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1998. pp. 6-8, 728-9, 719-20, 791-2;
  • ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre, Artmed, 2001. p.21 E 188;
  • http://www.alfredadler.org
  • http://www.adleriansc.org
  • http://www.alfredadler.edu
  • http://www.alfredadler-ny.org
  • http://www.adler.edu
  • http://www.adleriansociety.co.uk/phdi/p3.nsf/imgpages/0939_FormAA-AccredAdlerianCllr.pdf/$file/FormAA-AccredAdlerianCllr.pdf
  • http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfred_Adler
  • http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=155&sec=53
  • http://en.wikipedia.org/wiki/Alfred_Adler
  • http://www.psiquiatriageral.com.br/psicoterapia/alfred.htm
  • http://www.nndb.com/people/256/000097962
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  • http://www.filosofico.net/aadler.htm
  • http://en.wikipedia.org/wiki/Jan_Smuts
  • http://www.sonoma.edu/users/d/daniels/Adler.html
  • http://www.freudfile.org/adler.html

Os sites citados acima foram acessados entre 15 e 18/11/2009.

Resenha elaborada por Sônia Maria Friedrich, psicanalista em formação pelo Instituto Virgínia Leone Bicudo, da Sociedade de Psicanálise de Brasília.

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