Michael Balint

(1896 – 1970)

Psicanalista e bioquímico húngaro, formou-se em medicina em 1918, com uma brilhante carreira, qualificando-se em neuropsiquiatria, filosofia, química, física e biologia.

Analisou-se com Hanns Sachs. Insatisfeito com essa análise, Balint vai terminá-la com Sándor Ferenczi e torna-se seu aluno, amigo e sucessor. Lança as bases teóricas do que mais tarde irá se constituir no terceiro grupo ou Grupo Independente (os outros dois são os freudianos e os kleinianos). Foi presidente da Sociedade Psicanalítica Britânica.

Torna-se consultor psiquiatra da Clínica Tavistock (1950-1961), trabalhando na supervisão de grupos clínicos e desenvolve uma prática médica de treinamento conhecida como Grupo Balint. Neste, as experiências de todos eram discutidas, com ênfase na relação médico-paciente. Os doutores eram estimulados a examinar suas próprias emoções, desde o diagnóstico até a terapêutica e o prognóstico, pois Balint entendia que todos os momentos dos atos médicos estão impregnados de sentimentos, tanto úteis quanto prejudiciais ao doente.

Michael Balint publicou dez livros e 165 artigos. Os Arquivos Balint encontram-se no Departamento de Psiquiatria na Universidade de Genebra. Principais trabalhos:

  • Character analysis and new beginning, 1932.
  • The final goal of psychoanalytic treatment, 1935.
  • Individual Differences of Behaviour in Early Infancy. Diss. Mest. Psicologia. Londres, 1945.
  • Primary Love and Psycho-Analytic Technique, 1952.
  • The Doctor, His Patient and the Illness. Londres, 1957.
  • Thrills and Regressions, 1959.
  • Basic Fault, 1967.
  • The Clinical Diary of Sándor Ferenczi. Trad.Michael Balint e Nicola Zarday Jackson, 1988.

O pensamento de Balint é bastante atual e trata da incapacidade do ser humano de amar, queixa que aparece na clínica contemporânea como uma questão existencial: falta de ligação, de paixão e de encontrar um lugar na vida.

Foi amigo e admirado por Lacan, que reconhecia em Balint a liberdade, a capacidade de inovação e a disposição de restituir à psicanálise seu vigor criativo. Foi contemporâneo de Winnicott, que também nasceu em 1896. As idéias de Balint e Winnicott renovaram a clínica psicanalítica quanto à constituição do psiquismo nas relações de objeto precoce.

De acordo com Figueiredo¹, Balint é um freudiano que trabalhou com a teoria das relações objetais, para quem os objetos existem e são procurados desde o início. É um mediador entre Freud e Ferenczi, contradizendo Freud, mas mantendo-se freudiano. No texto de 1932, pulsionalidade e excesso de excitação sexual por um lado e relações objetais por outro, encontram-se em perfeito equilíbrio. Já nas obras posteriores, que contém as maiores contribuições, parece ter havido um recalcamento do freudismo e uma nefasta de-sexualização do processo analítico.

Para Balint, as relações de objeto são sempre libidinais, seja por parte do bebê ou da mãe, e primordiais para o desenvolvimento do psiquismo, que sempre dependerá da resposta do ambiente (ação e reação do objeto). Distingue três zonas mentais: zona edipiana (envolve três pessoas e está sob o domínio da linguagem); zona da falha básica (envolve duas pessoas e está sob domínio do pré-verbal); e zona de criação (na qual o sujeito encontra-se sozinho e cria a partir do self).

Ao dedicar-se às questões de constituição de self e narcisismo, Balint vai priorizar a entrega ao prazer, articulando engenhosamente as dificuldades da entrega às intensidades afetivas, em última instância, o render-se às experiências e deixar-se tomar e ser tomado pelos objetos. São pacientes que se queixam de inapetência para a vida, sensação de futilidade e de irrealidade, sendo incapazes de formar bons vínculos afetivos, ter prazer e amar. Só que, em Balint, tudo isso diz respeito à sexualidade e a libido tanto busca prazer, quanto objeto.

Sua técnica inclui um analista acolhedor, não intrusivo, interessado em conduzir o processo analítico pela via da regressão terapêutica, pela qual o analista vai procurar reparar as falhas do objeto primário e do ambiente até a ocorrência do novo começo. Propõe, nos anos 40, que o analista crie uma atmosfera adequada e confiável a seu paciente. Uma ampliação da sexualidade que inclui a relação com o ambiente e com os objetos, ambos desempenhando um papel primordial frente ao bebê em sua condição passiva.

A clínica balintiana vai dedicar-se aos difíceis casos de pacientes profundamente esquizóides ou narcisistas, que apresentam dificuldades nos procedimentos mais primitivos de efetuar ligações e lidar com angústias de separação. Balint introduziu alguns conceitos:

Amor primário – (primary love) relação de objeto arcaica ou amor objetal passivo (Ferenczi), como fonte e origem do desenvolvimento libidinal humano. Uma espécie de unidade mãe-bebê na qual há um bem-estar e prazer difuso dentro de uma faixa limitada de estimulação. Contempla a expectativa do indivíduo de ser amado e aceito incondicionalmente, sem exigência de retribuição.

Novo começo – (new beginning) é o fio condutor de toda sua obra. Consiste numa capacidade de entrega confiante e relaxada a uma relação de objeto e a aceitação de certo grau de depressão como condição inevitável da vida.

Amor genital – não é um processo natural e espontâneo, mas um artefato, um produto da civilização, composto por uma fusão complexa entre satisfação genital e ternura pré-genital. Compreende: confiar no objeto, conceder-lhe direitos, negociar com desejos e demandas sem perder de vista os próprios.

Ocnofilia – forma de lidar com a angústia, ao sair do amor primário. Necessidade de “agarrar-se”, “dependurar-se” em algum aspecto do objeto como suporte e fonte de contentamento. Na ilusão de que o contato com o objeto seguro o manterá a salvo, passa de objeto a objeto, com medo pânico provocado pelo vazio nessa passagem e o alívio no novo encontro. Mas, como segurança máxima também implica em risco máximo de perda, não há lugar para viver o prazer.

Filobatismo – outra forma de se relacionar com o objeto e lidar com a angústia. A proximidade é vivida como ameaçadora e a pessoa não suporta o excesso de presença e de ligação com os objetos, por privá-la de sentir-se autônoma e livre. Medo pânico do contato leva ao controle estreito do objeto, que passa a ser visto como um equipamento de uso, algo simplesmente de disponibilidade.

Falha básica – falha severa no desenvolvimento da relação mãe-bebê, tanto em termos da ruptura precoce de contato, como também da natureza sexual da ligação. São pacientes graves, narcisistas e borderline (que oscilam entre angústia de separação e vazio e angústia de invasão). Problemas relativos à falha básica (uma confusão entre a linguagem amorosa da ternura no bebê que é violentada pela linguagem amorosa da paixão dos adultos) provocam grandes dificuldades quando da elevação da excitação sexual. As intensidades afetivas e o impacto do contato com os objetos de amor e ódio fazem do outro uma ameaça para a constituição da subjetividade.

Resenha elaborada por Ângela Harary, psicanalista em formação pelo Instituto da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo.

¹ Luis Cláudio Figueiredo – texto de aulas da Pós-graduação na PUC-SP, 2005.

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