Suicídio: do desespero à escuta

Observatório Psicanalítico – 121/2019

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo

Suicídio: do desespero à escuta

Idete Zimerman Bizzi (SPPA)

“Maior é este mal que não te posso mostrar; no meu próprio peito, está lá, a úlcera e o abscesso.” (Sêneca)

O suicídio é um grave problema de saúde pública, cujos índices preocupantes seguem em ascensão no Brasil, conforme recente relatório da OMS. Associada aos esforços de variados seguimentos da sociedade que se unem, nesse momento, em prol de prevenção, a contribuição dos profissionais da saúde mental, no sentido de esclarecer, orientar e estimular a reflexão, é essencial.

Muito se ouve dizer que “quem ameaça se matar só quer chamar a atenção”, ou que “é melhor não fazer perguntas, porque daí sim a pessoa resolve se matar”. As evidências científicas apontam para outra realidade: quem ameaça tirar a própria vida provavelmente o fará em algum momento, se não obtiver ajuda, e falar sobre o assunto de forma respeitosa e interessada trará benefício. A campanha Setembro Amarelodisponibiliza em seu site uma cartilha para alertar e educar sobre o tema. No dia 10 deste mês comemora- se o dia mundial da prevenção. Sabe-se que idosos e jovens têm maior risco de suicídio do que os demais; homens morrem mais do que mulheres por morte autoinfligida.

Os grandes fatores de risco são transtornos de humor (depressão, bipolaridade), abuso de drogas e álcool e outros quadros psiquiátricos. A maior parte dos desesperos humanos, é importante que se diga, têm solução e tratamento que podem passar por medicação, rede de apoio, psicoterapias e psicanálise. Diversos problemas de saúde reversíveis podem levar a quadros psiquiátricos importantes, dentre eles: anemia, hipo ou hipertireoidismo, efeitos colaterais medicamentosos, os quais podem ocasionar quadros confusionais, psicose, depressão ou mania. Quem sofre pode não saber o que fazer, mas o profissional de saúde saberá. 

Indivíduos que sobrevivem ao impulso de tirar a própria vida costumam sentir-se gratos e aliviados no transcurso do tempo, quando, então, são capazes de pensar mais claramente, reúnem capacidades, reatam laços e vivem suas vidas mais plenamente. Esse princípio, válido para qualquer idade, é importante, especialmente para crianças e jovens que são mais impulsivos e desesperam-se facilmente, acreditando que o momento presente de sofrimento ou revolta absurda será eterno. O desfecho trágico, por outro lado, profundamente lamentável, traz, também, graves danos a quem fica e, não raro, dá início a ciclos inconscientes de desolação que perpassam gerações de famílias ou comunidades, em mórbida compulsão à repetição, quando não identificados.

Os índices nacionais ascendentes de suicídio devem ser compreendidos sob variados vértices: política de saúde pública, prevalência de quadros psiquiátricos, acesso a meios de auto agressão, nível de saúde do ambiente familiar e social. 

Sob a ótica específica da psicanálise é relevante destacar que o grau de saúde mental de um indivíduo ou grupo corresponde à capacidade de dar significado simbólico e elaborar mentalmente suas vivências. Situações de crise, por mais árduas que sejam, quando pensadas, raramente encaminham-se para atitudes autodestrutivas. Há ocasiões, porém, em que a experiência excede a capacidade do indivíduo ou de quem está ao redor de pensar e sentir emocionalmente. A vivência torna-se traumática quando não pode ser integrada à mente, mas tampouco desaparece. Ao contrário, infiltra-se no aparelho psíquico do indivíduo como tecido danoso em expansão, que ameaça a vida mental com colapso. 

Nesta situação, o “terrível não pensado” pode se expressar pelo corpo (afecções psicossomáticas), pela sensação de morte em vida, pela psicose ou pelo ato, no que se inclui a atitude extrema de suicídio.

Contemporaneamente, temos pressa. A satisfação imediata urge e nos acena a cada esquina; tudo ou quase tudo ao alcance de um toque. O acesso às informações, públicas e privadas, é amplo e inebriante. Somos inundados diariamente por estímulos visuais e auditivos fascinantes, prementes e eventualmente exaustivos. A demanda cotidiana, quando excessiva, também pode gerar crônica e silenciosa sobrecarga mental. Considerados os inquestionáveis benefícios que a tecnologia virtual oferece, será possível, paralelamente, que estejamos pagando um preço alto por essa realidade? O preço da baixa tolerância a dúvidas, necessidades ou espera? O preço da superficialidade dos vínculos?

Na contramão da “era da felicidade compartilhada”, a proposta singular da psicanálise, de acolhimento do sofrimento, de “convidá-lo a entrar” para buscar  compreendê-lo, em oposição à busca por alívio imediato, dentro e fora dos consultórios, desacomoda. Tristezas e ansiedades também fazem parte da existência plena de qualquer pessoa. Em tempos de hiperconexão, as mazelas humanas podem parecer quase anacrônicas, vexatórias ou desimportantes, mas se arranharmos um pouco a superfície das redes sociais e da euforia que por lá reina absoluta, vamos compreender que hoje seguimos, essencialmente, tão complexos e vulneráveis quanto Freud nos apontou há 120 anos.

Reconhecer o tormento de outro não é tarefa simples. O propalado tabu que ronda a depressão é uma via de mão dupla percorrida tanto pelo sujeito que sofre quanto por aquele que está bem. Encontrar espaço dentro de si para enxergar o desespero de outrem equivale a acender uma tocha em nossos recantos mais obscuros, incômodos, resguardados com zelo de nossos próprios desalentos e agressividades.

Todo indivíduo tem dentro de si partes sadias e partes adoecidas, amores e ódios. Quando, por motivos diversos, as partes sombrias adquirem força e se alastram, instala-se uma tirania da destrutividade e uma solidão sem nome. A morte autoinfligida, seja com o propósito de dar cabo ao próprio sofrimento, seja para cumprir a fantasia de agredir ou mobilizar as outras pessoas, é sempre um ato desesperado, permeado por grande sensação de desamparo. As tentativas de suicídio são habitualmente precedidas de sinais, avisos que nem sempre são reconhecidos, o que intensifica a sensação de solidão e vazio em quem sofre.

Desesperado está quem não mais espera ser escutado, não porque nunca tentou, mas sim porque desistiu. O momento de falar/escutar é importante, delicado, requer comprometimento, empatia e seriedade, tanto do profissional da saúde quanto do leigo. O ser humano que é ouvido pode admitir sofrer e tem condições de aguardar, acompanhado, que ventos mais favoráveis soprem.

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).

Imagem de Eddy Castro (Costa Rica)

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