Quero ser presidente!

Observatório Psicanalítico 19/2017

Ensaios sobre acontecimentos sociais, culturais e políticos do Brasil e do mundo.

 

Quero ser presidente!

Hemerson Ari Mendes

 

Não, não era a minha resposta as especulações dos adultos sobre as pretensões futuras. Aliás, no universo infantil, ser presidente nunca foi páreo para bombeiros, policiais, maquinistas (…) – para ficar nas funções/profissões mais populares do universo masculino; sim, elas tinham gênero.

Eu queria ser poceiro. Eles eram importantes na comunidade em que cresci; água era um luxo, o saneamento era precário e todas as casas tinham um poço no seu quintal. O poder da função não estava no trabalho braçal; mas, sim, na varinha mágica que eles utilizavam para encontrar o veio d’água, que definia o local a ser cavado. Utilizava-se uma forquilha de madeira, com as palmas da mão para cima, fazendo uma pequena pressão para entortar as extremidades para fora. Quando a ponta se mexia é porque estaria se passando por cima de uma corrente subterrânea de água. Como podem perceber, poceiro, assim como médicos e psicanalistas, têm os pajés como ancestral comum.

Sim, eu queria ter um pênis mágico, capaz de levantar e identificar o melhor local para abrir um canal para saciar a sede de meus desejos/necessidades. Minha resposta era só mais engenhosa do que o óbvio bombeiro com o poder de sua mangueira ou o policial com suas armas de fogo. A ideia de poder já está nas respostas das crianças, que envoltas com suas fantasias castratórias, buscam no simbolismo da concretrude a solução.

Hoje, na estrutura de poder do nosso país, as crianças ameaçadas que sobrevivem no adulto (ou seria ao adulto?), descobriram uma função redentora: ser presidente! Ela não vem com uma forquilha, mangueira ou metralhadora, mas, sim, com canetas. Todo o poder está contido nelas. Além de funcionarem como caneta mesmo, são usadas como chaves. Alguns dizem que do céu; outros, do inferno; porém, muitos sonham que seja da cadeia.

Abruptamente, muitos querem e se sentem habilitados ao cargo/função. Todos sonham com a caneta e seus poderes. Qualquer conquista, qualidade – ou falta de – é utilizada como atributo selecionador. Ser presidente transformou-se num paraíso-atalho com 72 poderosas canetas, capazes de transformarem castrações num fake poder.

Contudo, sua majestade – o bebê, digo, o presidente – rapidamente descobre que os poderes das canetas são limitados. Existem mais que 72 virgens-canetas e, para ele, desgraçadamente, elas pertencem a outros(as). A descoberta é dolorosa. No fundo, a mãe gentil tem outros relacionamentos e não existe a caneta que abra a porta de todos os quartos.

No atual estágio regressivo, todos os presidentes, ou assemelhados/equivalentes/pretendentes, sonham com poderes ilimitados. Assim, estamos com um Executivo que sonha poder julgar, um Judiciário que ambiciona legislar e um Legislativo que almeja governar. Os três estão atuando seus espúrios desejos.

Um adulto maduro e saudável, necessariamente, na elaboração da situação edípica precisou abrir mão dos pais como objetos sexuais, para estar livre para as demais possibilidades.

Quando isso não acontece, ele segue, neuroticamente, buscando pessoas simbolicamente interditadas. Nunca se apropria plenamente da sua sexualidade; ela fica com uma marca de ilegitimidade e clandestino roubo.

Na vida amorosa, sexual, profissional, institucional (…) precisa-se elaborar a incompletude e incorporar o saudável limite libertador. Só assim se consegue exercer plenamente todas as potencialidades.

Nossa sociedade, em estado regressivo, parece dividida entre os que esperam/defendem o seu Redentor – cada um com o seu molde idealizado – e os candidatos a Messias que sonham em ser agraciados com a caneta/forquilha/mangueira que anestesiará suas angústias persecutórias.

Não parece uma boa receita. Nossos poderes e seus bebês governantes e/ou pretendentes seguem querendo dormir com a mãe e bulinar o pai. Instituições/funções sem as devidas interdições gestam deformações.

 

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores).

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